“Kihon” em japonês significa “básico”, “fundamental”. Expressão usada com frequência no âmbito das artes marciais, na minha opinião pode e deve ser referida sempre que aspiramos o atingimento do estado da arte em qualquer atividade. O fundador do Aikido (arte marcial japonesa não-competitiva), Morihei Ueshiba, ensina que “somente a forma nos liberta da forma”. Assim, a prática constante e desapegada dos resultados pode nos levar a um nível de qualidade que se manifesta na ação natural, sem a necessidade de pensar os gestos e ações, que assim demonstra a maestria naquela prática específica, a qual torna-se, assim, uma arte.
No contexto da prática do Zen, penso que é necessário considerarmos os componentes culturais relacionados às práticas. Especificamente, me permito destacar o conceito de “Do” – um caminho ou modo de vida – o que conduz aqui aos vínculos de uma vida espiritualizada com nosso estilo de vida.
Muitas vezes, olhamos para outras referências culturais com a visão de nossa cultura de origem. Nesse sentido, um olhar mais amplo nos ajuda a traçar conexões entre aspectos usualmente valorizados inadequadamente na prática do Zen. Na minha experiência, é muito importante lembrar sempre da inseparatividade entre Prática e realização, conforme ensina Mestre Dogen, fundador da Escola Soto Zen. Com esse referencial, podemos reorientar nossas ações cotidianas com base nos valores de presença plena, cuidado, cultivo da lucidez, discrição, frugalidade e da estética simples e refinada do Zen. Ao assim fazermos, nutrimos condições favoráveis ao desenvolvimento de uma existência mais consciente, livre, saudável, e nos habilitamos a exercer o poder de optar com clareza por modos de agir no cotidiano que consideram o bem-estar de todos os seres. Muito mais que uma imagem idealista, sinto que essa é uma atitude urgente, com impactos em todo o Sistema de Vida na Terra, nossa casa planetária única e preciosa.
Finalmente, mas não menos importante, há que considerar os fortes condicionamentos a que estamos expostos numa cultura marcada pela competição e pela superficialidade de análise. Focados prioritariamente na busca de resultados, nós, seres humanos, muitas vezes dedicamos nossa energia de vida a ir cada vez mais longe, sempre mais rápido, questionando raramente para onde, afinal, estamos indo. Em uma situação de crise sistêmica como a que vivenciamos, o potencial de transformação evolutiva é proporcional. Aspiro que possamos ter a disciplina de nutrir o contentamento e exercer a liberdade de trilhar nosso caminho único de descobrir e nutrir os aspectos mais auspiciosos de nossas identidades passageiras; desse modo, sinto que ali mesmo, no âmago da impermanência, encontraremos algo indescritivelmente maravilhoso e perene.
Essa nossa vida humana é preciosa. Que eu possa apreciar este momento exato de felicidade, para além das circunstâncias.
Koho Mello – Zürich Zen Center – Inverno 2023